Os abutres

Eles estão por toda parte e aos bandos
Rancorosos observadores
Onde quer que haja uma carcaça
Eles pousam e estudam cuidadosamente
Para se certificarem sobre o morto
(Passivo incapaz de defender-se)
Aproximam em grande alvoroço
Para repartir o almoço
O urubu-rei fica com os olhos
Afinal em terra de urubus quem tem os olhos é o rei
Outros querem a visão
Mas acabam entrando pela cloaca
Dissecando cabalmente as entranhas
Do boi-morto
sem sucesso
Porque o boi-inefável sumiu no redemoinho
Espiral
rumo aos confins
afins
sem fim
enfim
sumo
assumo
me consumo
numa
espiral
sem freio
num
devaneio
astral
mitos cabalísticos
gritos apocalípticos
tempos crípticos
genes mutantes
imagos aberrantes
estranhos transtornos
mônadas emanadas
caos em camadas
eternos retornos
astros
grãos de areia
átomos
átimos
cantos de sereia
rastros
de um sonho monolítico
Promenade

A caminhada ao fim da tarde
Flanêurs alienigenados
Absortos em sua deambulância
Inscrevem no espaço urbano
Sua divagação sinuosa
Outros personagens outros nomes
Distração atenta a (re)visitar esquinas
Vitrines espelhos becos
Intersecções da memória
Outros espaços outros tempos
Na anamnéstica ebulição
Da deglutição estésica
O tempo de estar desmemoriado
Outros diálogos trans/instantes