sexta-feira, 29 de abril de 2022

Canção O amor, de Caetano Veloso



Talvez
quem sabe
um dia
por uma alameda
do zoológico
ela também chegará
ela que também
amava os animais
Entrará sorridente
Assim como está
na foto sobre a mesa


Ela é tão bonita
Ela é tão bonita
Que na certa
eles a ressuscitarão
o século trinta vencerá
o coração destroçado já
pelas mesquinharias


Agora vamos alcançar
Tudo o que não
Podemos amar na vida
Com o estrelar
Das noites inumeráveis


Ressuscita-me
ainda
Que mais não seja
Porque sou poeta
e ansiava o futuro


Ressuscita-me
lutando
contra as misérias
do cotidiano
Ressuscita-me por isso


Ressuscita-me
quero acabar de viver
o que me cabe
minha vida
Para que não mais
existam amores servis


Ressuscita-me
para que ninguém mais
tenha de sacrificar-se
Por uma casa
Um buraco


Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme

E o pai
seja pelo menos
o Universo
E a mãe
seja no mínimo
A Terra
A Terra
A Terra


Poema O amor de Maiakoviski


 


Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
– Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.
– Vladimir Maiakóvski (1923).. {tradução de Haroldo de Campos}.